"(...) Saúdo-os e desejo-lhes sol / E chuva, quando a chuva é precisa, e que as suas casas tenham / Ao pé duma janela aberta / Uma cadeira predileta / Onde se sentem, lendo os meus versos. (...)" (CAEIRO, Alberto. O guardador de rebanhos)

MEUS POEMAS ( SELEÇÃO - 1995 a 2009)

Os poemas selecionados (os mais recentes, lá no final da página) estão registrados em cartório em conformidade ao artigo 7º inciso VI e seguintes da Lei 9.610/1998 - de direitos autorais.
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COVAGEM


Tafófobo, me furto
Num pútrido fojo
E nele me protejo
de todo fátuo êxito.



vocabulário:
* tafófobo:indivíduo que sofre de tafofobia (terror doentio de ser enterrado vivo)
* fojo: cavidade profunda na terra; caverna, gruta
* fátuo: 1. que permanece por pouco tempo; que é fugaz, transitório; 2. com alta opinião de si próprio; vaidoso e oco; presunçoso; 3. que é tolo, insensato; 4. "fogo fátuo" - fenômeno que consiste no desprendimento de calor e luz produzidos pela combustão de um corpo, muito comum de se ver em cemitérios.

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JANELAS PRO LODO


Som incerto
Laivos, lanho
Lema da ânsia.
Abutres domésticos me observam.
Na fuga: luto.



vocabulário:
* laivo: 1. marca, sinal produzido por uma substância; mancha, nódoa; 2. indícios de algo destruído ou desaparecido; vestígios, mostras.
* lanho: ferimento feito com instrumento cortante

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INSÔNIA


O ocaso, céu
Do ínfero sol
Prediz o claro infesto
Que insola a vigília.


E o globo sem pálpebras
Retine uma discreta
E objetiva trajetória.

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APATIA


Seu quarto está imenso.
Imerso em água morna.
Mar insulso.
Mar asmático.
Aquário que constringe
Enquanto o dispnéico
Insensível,
Fita o teto vazio.

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ÁGUA COM AÇÚCAR


Num silêncio de profundezas,
Ouço-me dizer diáfanos peixes voando
Quando a água ata-me os membros
E escura respira
Toda voz que me ocupa os pulmões.
Mergulho entorpecido em cores,
licores, olores alucinantes.
Bolhas memórias estouram à tona.


(Sobre o ofício, o vício: céu azul)


E destilo o líquido maculado
No trânsfugo caule de uma papoula.

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ESTRANHAMENTO


Com seu olho alvo
me impede a visão.
Reflete e absorve.
Instaura o mistério.


Faz com que retroceda.
Mas ecoa, incide.
Enleva e encoleriza.


O desconcertante perpetua
E o abandono redivivo.
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                       QUEDA LIVRE

           Vivo a cavar meu abismo
              E abismo-me à beira...
                         
         Embora haja olhos à espreita,
                Nunca há braços...

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AQUELA LETRA


                               * sob o efeito de Jorge de Lima


Song,
Jazz,
Blues.
Seus olhos
Sobre papéis, palavras...
Olhos de mares - demasiados.


Song,
Jazz
Blues - sofregamente.
E nada decifro - viagem aos seus verdes.


Sol
É você entrando.


Não sei em que momento foi que meu desejo
desprendeu-se de mim para morar em tais olhos.
Como buscá-lo, sem mergulhar nesse encantamento?


(fevereiro de 2005)


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REINVENTANDO


Vindos do caos do cosmos
ventos de outros tempos
enfim chegaram,
mostrando-se
em árvores sábias
antigas de conhecer que o futuro do nosso passado
poderia.


(1 de setembro de 2005)

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O FRUTO EM BOTÃO


No negro da jabuticaba,
no mais profundo dessa esfera,
menor redondeza provável:
um mínimo mundo,
onde luz um glóbulo
(o MUNDO).


Vejo que são seus olhos.


Fecundam falta de fim.


(setembro de 2005)

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SEMPRE


Nas suas minhas horas algumas,
sem nexos:
anexos irreais,


(recorte urdido no dia)


eu lhe contaria...
você me contaria...


Mas são só horas, só horas,
Entanto sonoras, se seus ponteiros seguem passeando em meu corpo
sempre ecoando essa dor.


(2006)
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RAIVA


Tenho ânsia de vomitar
as tripas dessa paixão que me impele ao rancor.
É preciso odiar e me ferir. E ferir e me ofender.


Mas por amar, amargo.


Metidas goela abaixo
Lá no estômago mais remoto da minha alma
indigestas repugnâncias reprimidas serpenteiam.


(2006)
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RETRATO


Céu.
Mar.
Vento em sopros de sol em seus olhos sob a lente escura.


Trato e re-trato
de mirá-lo.
Tardo em
a-d-m-i-r-á-l-o.
Dou o trato diário,
necessário,
pra manter-se sempre nosso trato:


esse azul não desbotará.


(setembro de 2007)
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Não gosto de subir devagar,
é preciso passar logo ser difícil,
suar a alma, pôr as entranhas pra fora, xingar de dentro,
deixar saírem os líquidos... Quase secar...



em cima,
curtir o ar,
se possível o mar.


(e não se sabe por quanto tempo o topo).


(2007)
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VERDES


Tem o verde escuro de umas folhas
e tem o verde claro de outras folhas.
Essa viva matéria que alimenta uma seiva na alma.


E tem o verde dos meus olhos,
que é reflexo do verde que vivo na mente,
verdemente.
Esse é o ver de novo, apesar do cinza da vida.
É (re)pensar no que vamos viver
de verdade
Quando sairmos daqui.


(janeiro de 2008)
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O MAR, NO OESTE DO PARANÁ


Tamo no século XXI
(não queremos mais “estamos”).
Simples e real, hoje é dia de estrada.
Girando junto com o mundo,
girando junto... só sua frase no MSN permanece parada, grudada na minha bicicleta.
Vou com elas. Nós, meninas.
Liberdade é palavra velha e cansada, mas não deixo cair.
No meio da tarde, a tarde como meio.
Média de vinte por hora são minhas pernas, minhas ondas - o meu motor.
Assim o mar sempre em mim.
Por isso, além da música, não precisa ninguém me acompanhar.
Ah, surpresa: o arco-íris! Presente. Não tinha nem pedido! Nem sei se escreve sem hífen.


Boa tarde, estrada.


E a chegada: o hotel, o ócio, o vinho
E o piá que gosta de falar...
Parênteses, reticências, exclamação.
(...!)
Basta o mar desaguar num abraço
E a terra volta a girar.
Sem complicação.


(setembro de 2009)