"(...) Saúdo-os e desejo-lhes sol / E chuva, quando a chuva é precisa, e que as suas casas tenham / Ao pé duma janela aberta / Uma cadeira predileta / Onde se sentem, lendo os meus versos. (...)" (CAEIRO, Alberto. O guardador de rebanhos)

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Mulheres sempre têm uma caixinha de joias guardada em algum lugar.
A minha fica ao lado da cama: é a edição da Poesia Completa de Drummond.
Vira e mexe reencontro nela, como da 1ª vez, uma pedra rara.
Como disse Ezra Pound, literatura é novidade que permanece novidade.
Caras assim, João Cabral, Manoel de Barros, " entesouram frases" .
Por eles, muita admiração, agradecimento e uma pontinha duma inveja, a de terem tirado da minha boca, do meu teclado, palavras como nunca saberei escrever.

Ó aí um exemplo fodido:

PARA A FEIRA DO LIVRO

(João Cabral de Melo Neto)

Folheada, a folha de um livro retoma
o lânguido e vegetal da folha folha,
e um livro se folheia ou se desfolha
como sob o vento a árvore que o doa;
folheada, a folha de um livro repete
fricativas e labiais de ventos antigos,
e nada finge vento em folha de árvore
melhor do que vento em folha de livro.
Todavia a folha, na árvore do livro,
Mais do que imita o vento, profere-o:
A palavra nela urge a voz, que é o vento,
Ou ventania varrendo o podre a zero.

Silencioso; quer fechado ou aberto,
inclusive o que grita dentro; anônimo:
só expõe o lombo, posto na estante,
que apaga em pardo todos os lombos
modesto: só se abre se alguém o abre,
e tanto o oposto do quadro na parede,
aberto a vida toda, quanto da música,
viva apenas enquanto voam suas redes.
Mas apesar disso e apesar de paciente
(deixa-se ler onde queiram), severo:
exige que lhe extraiam, o interroguem;
e jamais exala: fechado, mesmo aberto.